Pessoal,
A Poesia de Quinta de hoje é um tanto quanto nostálgica, mas muito bonita, lembrando uma velha "amiga"minha (sim, eu usei e muito!!!): a máquina de escrever!
Ofereço a Poesia de Quinta de hoje carinhosamente à minha mãe, que me enviou esta poesia.
beijos
Deíla
A Máquina de Escrever
Giuseppe Ghiaroni
Mãe, se eu morrer de um repentino mal, vende meus bens a bem dos meus credores: a fantasia de festivas cores que usei no derradeiro Carnaval.
Vende ese rádio que ganhei de prêmio por um concurso num jornal do povo, e aquele terno novo, ou quase novo, com poucas manchas de café boêmio.
Vende também meus óculos antigos que me davam uns ares inocentes. Já não precisarei de duas lentes para enxergar os corações amigos.
Vende , além das gravatas, do chapéu, meus sapatos rangentes. Sem ruído é mais provável que eu alcance o Céu e logre penetrar despercebido.
Vende meu dente de ouro. O Paraíso requer apenas a expressão do olhar. Já não precisarei do meu sorriso para um outro sorriso me enganar.
Vende meus olhos a um brechó qualquer que os guarde numa loja poeirenta, reluzindo na sombra pardacenta, refletindo um semblante de mulher.
Vende tudo, ao findar a minha sorte, libertando minha alma pensativa para ninguém chorar a minha morte sem realmente desejar que eu viva.
Pode vender meu próprio leito e roupa para pagar àqueles a quem devo. Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa esta caduca máquina em que escrevo.
Mas poupa a minha amiga de horas mortas, de teclas bambas,tique-taque incerto. De ano em ano, manda-a ao conserto e unta de azeite as suas peças tortas.
Vende todas as grandes pequenezas que eram meu humílimo tesouro, mas não! ainda que ofereçam ouro, não venda o meu filtro de tristezas!
Quanta vez esta máquina afugenta meus fantasmas da dúvida e do mal, ela que é minha rude ferramenta, o meu doce instrumento musical.
Bate rangendo, numa espécie de asma, mas cada vez que bate é um grão de trigo. Quando eu morrer, quem a levar consigo há de levar consigo o meu fantasma.
Pois será para ela uma tortura sentir nas bambas eclas solitárias um bando de dez unhas usurárias a datilografar uma fatura.
Deixa-a morrer também quando eu morrer; deixa-a calar numa quietude extrema, à espera do meu último poema que as palavras não dão para fazer.
Conserva-a, minha mãe, no velho lar, conservando os meus íntimos instantes, e, nas noites de lua, não te espantes quando as teclas baterem devagar.
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