Pessoal,
A turma do meu irmão mais velho está toda entrando nos quarenta, e talvez por conta disso, como gosto sempre de me adiantar um pouquinho, estou lendo e me aprofundando neste assunto da idade, que parece ser um marco na vida de uma pessoa...
Recebi este poema de um querido amigo meu de Belém, que também já passou dos quarenta!!! , e que diz que esta é uma fase deliciosa da vida, que não deixa ter saudade dos 20... O poeta é paraense, já falecido, Ruy Barata.
Vou dedicar a Poesia de Quinta de hoje a um dos amigos do meu irmão, que está entrando nos quarenta também este ano e que aproveitou a oportunidade para se dedicar a um doutorado, fora de São Luís. A Canção dos Quarenta de hoje vai carinhosamente dedicada ao famoso e polêmico Wagner Cabral.
Beijos com gosto de vinho,
Deíla
Canção dos quarenta anos
Poema, suspende a taça
pelos dias que vivi,
Espelho, diz-me em que jaça
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correr
ame neles também corrí.
Quarenta anos, quarenta!
(Quantos mais ainda virão?)
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão?
Serei pasto da malária?
Serei presa do avião?
A morte engendra a esperança.
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.
Quem pode medir um homem?
Quem pode um homem julgar?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar,
naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.
Hoje sou. Ontem, não era.
Amanhã, de quem serei?
Um homem é sempre segredos.
(Por qual deles purgarei?)
Dos meus netos, qual o neto,
em que me repetirei?
Que virtudes foram minhas?
Que pecados confessar?
Que territórios de enganosa meus filhos vou legar?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar!
Ah! como a vida é ligeira!
Ah! como o tempo de
flui!
Este espelho não mais falada criança que já fui,
das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui
Quedê rede balançando?
Quedê peixinhos do mar?
Quedê figo da figueira
pru passarinho bicar?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar?
Dezembro chama janeiro,
(fevereiro vai chamar ?)
Monte-Cristo se me vissenão iria acreditar.
Como está velho, diriaa donzela Dagmar.
Um homem cresce espalhando
o reino em que foi feliz.
Onde Athos? Onde Porthos?
Onde o tímido Aramis?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.
Crescer é rima de vida
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida,
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.
E cresço: macho e poeta.
(Subo em linha, volto em cor)
cresço violentamente,
cresço em rajadas de amor,
cresço nos filhos crescendo,
cresço depois que me for.
Cresço em tempo e eternidade,
cresço em luta, cresço em dor,
fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor,
cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for.
E cresço na aurora livre
galopando esse corcel.
cresço no verso espumando
entre as linhas do papel.
cresço rubro de esperança
na barba de Don Fidel.
Quarenta anos, quarenta!
(E nem sequer percebi!)
Quarenta anos correrame neles também corri.
E nesses quarenta anos,
Oitenta de amor por ti.
Violão de Rua - 1962
(Cadernos de Povo Brasileiro)
Ruy Barata
PS: A leitura excessiva destes textos pode ocasionar dependência cultural.
Ruy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990) foi um poeta, político, advogado, professor e compositor brasileiro.
Filho único de Maria José (Dona Noca) Paranatinga Barata e do advogado Alarico de Barros Barata. Recebeu o nome Rui em virtude da admiração paterna por Rui Barbosa. O indígena Paranatinga vem do lado materno, que significa rio (paraná) branco (tinga).
Foi alfabetizado pelo pai. Aos dez anos vem para Belém para continuar os estudos. Primeiro, no internato do Colégio Moderno; depois, no Colégio Nossa Senhora de Nazaré, dirigido pelos Irmãos Maristas. Faz o pré-jurídico no Colégio Estadual Pais de Carvalho, onde tem como professor o intelectual Francisco Paulo do Nascimento Mendes, de quem se torna amigo para a vida inteira, e se inicia na poesia escrevendo na revista Terra Imatura. Em 1938, entra para a Faculdade de Direito do Pará.
Em meio aos estudos jurídicos sente aumentar a paixão pela poesia. Mergulha fundo nos poemas de Maiakovski, Garcia Lorca, T.S. Elliot, Mallarmé, Rilke, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Jorge de Lima, entre outros. Abre-se ao pensamento de esquerda através da leitura do Manifesto Comunista de Marx e Engels.
Nota: para saber mais sobre a biografia de Ruy Barata consulte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rui_Barata
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