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domingo, 30 de dezembro de 2012

OS CONFEDERADOS: UM MARCO NO DESENVOLVIMENTO DE SANTARÉM

por: Hélcio Amaral de Sousa

          No dia 17 de setembro de 1867 Santarém recebeu um grupo de norte-americanos, o quais tinham sido derrotados numa sangrenta guerra, denominada GUERRA DE SECESSÃO, ocorrida entre os estados do norte e os estados do sul.

Em 1861, os escravos do Norte já haviam sido libertados e, em 1863, Lincoln dera a liberdade a todos os escravizados dos Estados do Sul, o que levou os Confederados, em sinal de protesto, a separarem-se da União e formarem os Estados Confederados da América do Norte, elegendo como seu presidente o cidadão Jefferson Davis. 
Foram onze os Estados que aderiram ao movimento separatista: Carolina do Sul, Flórida, Mississipi, Louisiana, Geórgia, Texas, Alabama, Carolina do Norte, Arkansas, Tennessee e Virgínia. Os 23 Estados do Norte entraram em guerra com muito mais vantagem, porque sua população era de 22 milhões de habitantes enquanto o Sul contava apenas nove milhões. O Sul conhecia perfeitamente o poderio econômico financeiro de que dispunham os Estados do Norte e mesmo assim acreditavam na vitória, pois contavam com o apoio determinado do General Lee, considerado o mais inteligente general da brigada Norte Americana. No auge da luta, os Confederados criaram um alto comando formado pelas mais altas patentes militares e nesse esforço hercúleo, construíram um submarino, arma que chegou a assustar os Nortistas.
O ataque do General Sherman, então comandante das forças legais, foi tão arrasador quanto o desespero causado pela fome e pela total desvalorização da moeda que haviam criado os confederados. As fazendas totalmente destruídas e as mansões saqueadas dos aristocratas culminaram para o desânimo total. Portanto, em abril de 1865 o General Lee não teve outra alternativa senão a rendição.
No bojo desse tumulto Lincoln foi assassinado, mas o vice-presidente Andrew Johnson assumiu o governo e procurou reconstruir as cidades que tinham sido arrasadas e não permitiu que a escravidão retornasse.

O Século XIX: economia e cultura na Amazônia
O Imperador Pedro II consultado sobre a possibilidade da criação de uma colônia norte-americana no Brasil aceitou de imediato, pois nesse mesmo ano já havia fundado uma colônia militar em Óbidos e que não obteve sucesso. A ocupação da Amazônia era, então, o grande desafio. A navegação motorizada ainda era embrionária e não atendia a necessidade do transporte de mais de vinte mil quilômetros de extensão de vias navegáveis. Seu principal produto comercial, o cacau, não conseguia espaço nos poucos navios que singravam o grande rio e seus afluentes. Na segunda metade do século XIX a borracha já era a mais importante matéria prima na corrida da revolução industrial e o comércio se desenvolvia em velocidade e volume, em toda Amazônia brasileira.  As drogas do sertão começavam a perder sua importância para o ouro negro[2] que despertava a cobiça dos mais tradicionais consórcios comerciais e bancários do mundo, que para cá vieram e montaram bancos e grandes casas aviadoras com os mais diversos produtos importados repassados ao consumidor final pelo sistema de aviamento[3]. A Companhia de Comércio e Navegação a Vapor do Amazonas, de Irineu Evangelista de Sousa, Barão de Mauá, com 87 navios, tinha o privilégio do monopólio da navegação de cabotagem interna.       
A relação comercial do Brasil era com a Inglaterra e Estados Unidos, e a relação cultural era com a França para onde dirigiam os jovens, filhos de aquinhoados seringalistas e comerciantes, em busca de novos conhecimentos, cultura e em busca de diversão nos famosos teatros.  Algumas apresentações delirantes de óperas e magníficas peças teatrais francesas já haviam sido apresentadas em palcos improvisados nas cidades de Belém, Manaus e nos seringais de Itaituba e Urumanduba, esta última propriedade do Coronel José Júlio de Andrade, até então o maior latifundiário do mundo, onde todas as suas propriedades localizavam na micro bacia do Rio Jarí. A Amazônia acompanhava todas as tendências de moda lançadas na Europa, e as sociedades amazônicas usavam vocabulário francês com sotaque caboclo.    

Os Confederados e uma nova pátria
Terminada a guerra em 1865, os derrotados confederados armaram um plano de emigração e tinham o México como principal destino, dada sua aproximação territorial. Mas os estudos levantados pelo Major L. W. Hastings os convenceu de que o Brasil seria o melhor território para formarem uma colonização, pois além de possuir um povo pacífico e receptivo, tinha um território amplo, escravos e solo fértil onde a cana-de-açúcar produzia três vezes mais do que na Louisiana. Outros produtos como o algodão, o arroz e o fumo poderiam também ser cultivados, alcançando resultados idênticos ou melhores do que os cultivos dos Estados do Sul. De todas as informações, talvez a escravatura tenha sido a que mais os motivou à escolha pelo Brasil, pois todos os produtores sulistas eram escravocratas.        
A possibilidade de formação de colônias no Brasil para abrigar os ex-confederados transformou-se num rendoso negócio e crescia a cada dia o número de agentes de migração no Sul dos Estados Unidos. A divulgação de nossas riquezas e das belezas contidas nas crônicas dos cientistas que visitavam a Amazônia, aguçava a curiosidade dos norte-americanos para uma região esquecida pelo Governo Imperial.
As expedições que muito divulgaram a Amazônia foram as de: Alexandre Rodrigues Ferreira, Charles Marie de La Condamini, Alexandre Van de Humboldt, Johan Batiste Von Spix e Karl Friederich Phillip Von Marius, Alfred Wallace, Henry Walter Bates, Richard Spruce, Louis Agassiz, Charles Feeric Hart, e já recomendavam um novo espírito científico para desenvolver a região. Agassiz ressaltava a possibilidade de industrialização das riquezas florestais e Humboldt sintetizou suas exaltações destacando que “a única coisa pequena na Amazônia é o homem”.
Em 1866 o Major Warren Lansford Hastings conseguiu celebrar com o presidente da Província do Pará um contrato para a instalação de uma colônia, na qual se comprometia a trazer entre 300 e 400 colonos com grande conhecimento na atividade agrícola e na agroindústria. O governo provincial se comprometeu em pagar as passagens, manter os colonizadores por seis meses e conceder, por venda, sessenta léguas quadradas[4] de terras devolutas ao sul da cidade de Santarém e que aqui ficariam aos cuidados do então Coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, Vice-presidente da Província, e pessoa de muita influência na cidade.
            
            Santarém recebe os ex-confederados
No dia 17 de setembro de 1867, ancorou no azul-esverdeado rio Tapajós o navio Inca, de roda na popa, transportando um grupo de passageiros bastante diferente. O mais distraído dos catraieiros poderia perceber nos semblantes rosados que emolduravam os olhos azuis e verdes dos recém-chegados, o espanto e a admiração pela beleza ímpar do encontro das águas e pela a brancura da areia que ornava a cidade que os recebia como novo lar.
Os viajantes, apoiando-se no pára-peito do pequeno navio, aguardavam o desembarque enquanto as crianças corriam no convés, misturando-se aos catraieiros que, apressadamente, procuravam os passageiros para transportá-los até a praia e por não entenderem seu idioma faziam mímica para se comunicar. As senhoras elegantemente vestidas, trajavam indumentárias incompatível com o calor arrefecido pela constante brisa matinal que soprava generosamente. Ali estavam famílias distintas, como os Vaughan, os Pitts, os Jennings, os Emmett, os Steele e outras de agricultores oriundos do Tenesse, Alabama e Mississipi, além de forasteiros e aventureiros embarcados no porto de Móbile. Todos foram recepcionados cordialmente pelo Coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, o qual tinha a responsabilidade de recebê-los, hospedá-los e assisti-los por um período de seis meses. O Major Hastings mantinha a promessa da chegada de outro navio com mais ex-confederados, pois seu plano era trazer quatrocentas pessoas para a Amazônia. Os Renington, os Riker, os Wallace, os Rhome, chegaram depois.  Para alguns seria um lugar passageiro, para outros, um lar permanente onde a nova pátria cederia um pedaço de solo para a morada eterna e suas  ações e familiares os perpetuariam na história.   
Para abrigá-los tinham sido construídos barracões cobertos de palha e chão batido até que as casas assoalhadas fossem concluídas e entregues aos seus donos. As famílias abriram as estradas Urumari-Mararu, terminando no Diamantino, alcançando o platô, ao sul da cidade de Santarém. Ali se localizavam as novas propriedades, destacando-se a fazenda Diamantina - de propriedade dos Riker, responsáveis pelo primeiro plantio racional de seringueiras na Amazônia. A estrada do Bom Gosto terminava na propriedade Piquiatuba - de propriedade dos Vaughan e dos Jennings, os quais se destacaram não só pela agricultura como também pela fabricação de pólvora, prego e leite condensado.

A contribuição no desenvolvimento agrícola da região.               
Os ex-confederados foram os primeiros a cultivar as férteis terras pretas localizadas no platô. O extrativismo, modelo econômico praticado na região, não os agradou, e preferiram algo mais consistente, como a agricultura mecanizada, com técnicas que assegurassem superávitfinanceiro, com venda do excedente. Assim partiram para o cultivo do milho, do arroz, da banana, da mandioca, da melancia e do feijão manteiguinha, cujas sementes trouxeram em suas bagagens. Acreditavam, também, na cultura permanente e por isso iniciaram a plantação de abacate, cacau, seringueira e cupuaçu. A grande procura e o alto valor comercial do açúcar mascavo e da aguardente os levaram ao plantio de cana-de-açúcar e ao aprimoramento de sua industrialização, com moendas movidas à força hídrica ou à caldeira, as quais eram aquecidas com lenha e evaporadores de grande proporção, que propiciava um maior aumento na produção.
Os métodos modernos e progressistas empregados na agricultura, como o arado e o carroção motorizado, trouxeram grande progresso à região. O carroção motorizado, construído em Santarém nos anos setenta de século XIX, pelo Reverendo Richard Tomas Henington, ministro da Igreja Episcopal Metodista, é considerado o primeiro carro motorizado fabricado no Brasil, embora sua máquina fosse movida a vapor. As atividades agrícolas, na sua maioria, usavam o arado de tração animal, oferecendo maior conforto e produtividade aos agricultores.

A fazenda Taperinha
Localizada a leste de Santarém, a fazenda Taperinha, de propriedade do Barão de Santarém, abrigou a empresa agrícola Pinto & Rhome LTDA, em sociedade com a família Rhome, criada com objetivo de desenvolver uma agroindústria, com a fabricação de açúcar mascavo e aguardente, e com cultivo da cana-de-açúcar e o plantio de cacau, abacate, laranja, abiu e ata (pinha). A cana-de-açúcar plantada no platô deslizava através de uma calha de madeira em forma de meia ferradura, com 400 pés de comprimento, e caía junto à moenda. Com as frutas faziam-se diversas espécies de vinho e a plantação de tabaco transformava-se em cigarros conhecidos por uma fragrância denominada TAPERINHA. Nas férteis terras pretas do platô também foram plantadas uma grande quantidade de cacaueiros e abacateiros que até a pouco tempo ainda eram encontrados em plena produção.

A casa era coberta de telhas de barro, com requintado conforto para a época e havia inclusive uma senzala para abrigar os inúmeros escravos. O espírito empreendedor e o bom gosto da família Rhome fizeram daquele isolado lugarejo um local de referência para a agricultura, para a agroindústria e para a ciência. As cerâmicas indígenas descobertas e colecionadas pelo Sr. Rhome foram levadas para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, onde permanecem até hoje com o nome Coleção Taperinha. Em 1872, o cientista americano  Carles Frederic Hartt descobriu, demarcou e registrou o famoso sambaqui de água doce, hoje comprovado ter mais de oito mil anos.
A fazenda Taperinha, no século XIX, tinha um desenvolvimento hoje chamado sustentável: tudo o que consumia era produzido no local. Os arados eram fabricados na própria fazenda e lá, também, foi construído o primeiro navio na Amazônia, inclusive a máquina. O navio recebeu o nome de TAPERINHA e, para maior conforto dos passageiros, uma piscina de fundo cimentado foi construída onde se podia nadar ou tomar banho de chuveiro, com uma descarga de cem galões[5] por minuto. Taperinha conserva a casa rural mais antiga da Amazônia.   

Breves considerações
Não se pode deixar de mencionar o Sr. Clarence Riker, descendente dos ex- confederados, que após regressar aos Estados Unidos fundou uma indústria farmacêutica, da qual foi seu diretor-presidente por muito tempo. Hoje aquele empreendimento transformou-se na multinacional SIDNEY ROSS & CIA.
O Reverendo Richard Henington teve uma atuação marcante junto à comunidade dos ex-confederados: tinha a função de tratar dos dentes dos imigrantes, celebrar batizados e casamentos, bem como pregar o evangelho. Por ser evangélico, era também chamado de “padre americano”. A ele são devidas preciosas informações sobre o cotidiano da época e a realização de importantes obras de engenharia, como a construção do primeiro trapiche de Santarém, local onde hoje localiza-se o Terminal Fluvial Turístico, a construção do “carroção motorizado”, a montagem de uma serraria a vapor, de uma carpintaria mecanizada e de uma loja para ferreiro, e a fabricação de embarcações de madeira. Estas obras o destacaram na história de Santarém.
Josiah H. Pitts, conhecido como Dr. Pitts, serviu o exército confederado como oficial médico durante a Guerra da Secessão. Aqui se dedicou à atividade agrícola sem, contudo, deixar de exercer sua profissão, dedicando-se posteriormente à fabricação de barco de madeira como única atividade. Transferiu-se, mais tarde, para a então pequena cidade de Oriximiná onde faleceu.  Seu corpo repousa às margens do igarapé Iripixi, naquela cidade, onde hoje funciona a olaria Iripixi.
A família Jennings pouco participou das atividades agrícolas. Entretanto, preferiu mudar-se para a cidade e instalar, onde hoje se encontra o Mercado Municipal de Santarém, uma serraria movida à caldeira e um estaleiro para construção de barcos. Desse modo, conseguiram recurso financeiro suficiente para fazer várias viagens aos Estados Unidos em busca de novos negócios. Guilherme Jennings encerrou suas atividades em Santarém no final do século XIX e mudou-se definitivamente para os Estados Unidos. Naquele país montou uma fábrica de lâminas de barbear que se tornaram mundialmente conhecidas como Lâminas “WILLIAMS”.           
Os ex-confederados procuraram se estruturar cultural e espiritualmente criando escolas e igrejas evangélicas, instituições imprescindíveis às suas vidas. Foram eles que trouxeram as primeiras igrejas evangélicas para o Brasil, facilitando a vinda e a permanência de inúmeros pastores protestantes. Contribuíram com o desenvolvimento econômico da região e influenciaram a religião e a cultural local. Algumas famílias retornaram aos Estados Unidos, outras se mudaram para São Paulo, mas as que permaneceram aqui ajudaram a fazer a história de Santarém e do baixo Amazonas nesses 140 anos de imigração norte americana.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GUILHON, Norma Azevedo. Confederados em Santarém. Coleção: “História do Pará”. Série “Arthur Vianna”. Belém, 1979.

Um comentário:

Gera disse...

ótimo texto, riquíssimo em detalhes, gostaria até do exemplar da fonte ou pesquisar mais sobre o assunto.

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Bandeira da ASDECON

Bandeira da ASDECON
ASSOCIAÇÃO DOS DESCENDENTES DE CONFEDERADOS AMERICANOS NA AMAZÔNIA

Brasão da família Vaughan

Brasão da família Vaughan

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ESCLARECIMENTO / EXPLICATION

Esclarecemos que em função de erros cometidos por ocasião das escriturações nos cartórios de Santarém, durante os registros de nascimentos, diversas famílias de origem confederada (Wallace, Hennington, Rhome, Pitts, Riker, Vaughan, Jennings, etc...) tiveram seus nomes escriturados de forma errada.
A família VAUGHAN, por exemplo, assumiu algumas formas diferentes de escrituração: Vaughon, Waughan e Wanghon.
Recentemente alguns descendentes da família VAUGHAN e de outras famílias, com o auxílio de advogados e seguindo as árvores genealógicas, efetuaram as correções devidas nos cartórios locais e passaram a escrever corretamente os seus nomes.
Devido a pronúncia do nome VAUGHAN ser diferente da forma que é escrita, alguns descendentes passaram a adotar a denominação de “Von”, mas tão somente para facilitar o entendimento da leitura, sem alterar a forma de registro.

We clarified that in terms of errors committed during the notary records in Santarém, in the records of births, several families of confederates (Wallace, Hennington, Rhome, Pitts, Riker, Vaughan, Jennings, etc ...) had their names entered in wrong. The family VAUGHAN, for example, took a few different ways to book: Vaughon, Waughan and Wanghon. Recentemente VAUGHAN some descendants of the family and other families with the help of lawyers and following the tree, made the necessary corrections in notary places and began to write their names correctly. Due to the pronunciation of the name VAUGHAN be different from the way it is written, some descendants moved to adopt the name of "Von", but only to facilitate the understanding of reading, without changing the way of record.