por: Hélcio Amaral de Sousa
No dia 17 de setembro de 1867 Santarém recebeu um grupo de
norte-americanos, o quais tinham sido derrotados numa sangrenta guerra,
denominada GUERRA DE SECESSÃO, ocorrida entre os estados do norte e os estados
do sul.
Em 1861, os escravos do Norte já haviam sido libertados e,
em 1863, Lincoln dera a liberdade a todos os escravizados dos Estados do Sul, o
que levou os Confederados, em sinal de protesto, a separarem-se da União e
formarem os Estados Confederados da América do Norte, elegendo como seu
presidente o cidadão Jefferson Davis.
Foram onze os Estados que aderiram ao movimento separatista:
Carolina do Sul, Flórida, Mississipi, Louisiana, Geórgia, Texas, Alabama,
Carolina do Norte, Arkansas, Tennessee e Virgínia. Os 23 Estados do Norte
entraram em guerra com muito mais vantagem, porque sua população era de 22
milhões de habitantes enquanto o Sul contava apenas nove milhões. O Sul
conhecia perfeitamente o poderio econômico financeiro de que dispunham os
Estados do Norte e mesmo assim acreditavam na vitória, pois contavam com o
apoio determinado do General Lee, considerado o mais inteligente general da
brigada Norte Americana. No auge da luta, os Confederados criaram um alto
comando formado pelas mais altas patentes militares e nesse esforço hercúleo,
construíram um submarino, arma que chegou a assustar os Nortistas.
O ataque do General Sherman, então comandante das forças
legais, foi tão arrasador quanto o desespero causado pela fome e pela total
desvalorização da moeda que haviam criado os confederados. As fazendas
totalmente destruídas e as mansões saqueadas dos aristocratas culminaram para o
desânimo total. Portanto, em abril de 1865 o General Lee não teve outra
alternativa senão a rendição.
No bojo desse tumulto Lincoln foi assassinado, mas o
vice-presidente Andrew Johnson
assumiu o governo e procurou reconstruir as cidades que tinham sido arrasadas e
não permitiu que a escravidão retornasse.
O Século XIX: economia e cultura
na Amazônia
O Imperador Pedro II consultado sobre a possibilidade da
criação de uma colônia norte-americana no Brasil aceitou de imediato, pois
nesse mesmo ano já havia fundado uma colônia militar em Óbidos e que não obteve
sucesso. A ocupação da Amazônia era, então, o grande desafio. A navegação
motorizada ainda era embrionária e não atendia a necessidade do transporte de
mais de vinte mil quilômetros de extensão de vias navegáveis. Seu principal
produto comercial, o cacau, não conseguia espaço nos poucos navios que
singravam o grande rio e seus afluentes. Na segunda metade do século XIX a
borracha já era a mais importante matéria prima na corrida da revolução
industrial e o comércio se desenvolvia em velocidade e volume, em toda Amazônia brasileira.
As drogas do sertão começavam a perder sua importância para o ouro negro que
despertava a cobiça dos mais tradicionais consórcios comerciais e bancários do
mundo, que para cá vieram e montaram bancos e grandes casas aviadoras com os
mais diversos produtos importados repassados ao consumidor final pelo sistema
de aviamento.
A Companhia de Comércio e Navegação a Vapor do Amazonas, de Irineu Evangelista
de Sousa, Barão de Mauá, com 87 navios, tinha o privilégio do monopólio da
navegação de cabotagem interna.
A relação comercial do Brasil era com a Inglaterra e Estados
Unidos, e a relação cultural era com a França para onde dirigiam os jovens,
filhos de aquinhoados seringalistas e comerciantes, em busca de novos
conhecimentos, cultura e em busca de diversão nos famosos teatros. Algumas
apresentações delirantes de óperas e magníficas peças teatrais francesas já
haviam sido apresentadas em palcos improvisados nas cidades de Belém, Manaus e
nos seringais de Itaituba e Urumanduba, esta última propriedade do Coronel José
Júlio de Andrade, até então o maior latifundiário do mundo, onde todas as suas
propriedades localizavam na micro bacia do Rio Jarí. A Amazônia acompanhava
todas as tendências de moda lançadas na Europa, e as sociedades amazônicas
usavam vocabulário francês com sotaque caboclo.
Os Confederados e uma nova pátria
Terminada a guerra em 1865, os derrotados confederados
armaram um plano de emigração e tinham o México como principal destino, dada
sua aproximação territorial. Mas os estudos levantados pelo Major L. W. Hastings
os convenceu de que o Brasil seria o melhor território para formarem uma
colonização, pois além de possuir um povo pacífico e receptivo, tinha um
território amplo, escravos e solo fértil onde a cana-de-açúcar produzia três
vezes mais do que na Louisiana. Outros produtos como o algodão, o arroz e o
fumo poderiam também ser cultivados, alcançando resultados idênticos ou
melhores do que os cultivos dos Estados do Sul. De todas as informações, talvez
a escravatura tenha sido a que mais os motivou à escolha pelo Brasil, pois
todos os produtores sulistas eram
escravocratas.
A possibilidade de formação de colônias no Brasil para
abrigar os ex-confederados transformou-se num rendoso negócio e crescia a cada
dia o número de agentes de migração no Sul dos Estados Unidos. A divulgação de
nossas riquezas e das belezas contidas nas crônicas dos cientistas que
visitavam a Amazônia, aguçava a curiosidade dos norte-americanos para uma
região esquecida pelo Governo Imperial.
As expedições que muito divulgaram a Amazônia foram as de:
Alexandre Rodrigues Ferreira, Charles Marie de La Condamini,
Alexandre Van de Humboldt, Johan Batiste Von Spix e Karl Friederich Phillip Von
Marius, Alfred Wallace, Henry Walter Bates, Richard Spruce, Louis Agassiz,
Charles Feeric Hart, e já recomendavam um novo espírito científico para
desenvolver a região. Agassiz ressaltava a possibilidade de industrialização
das riquezas florestais e Humboldt sintetizou suas exaltações destacando que “a
única coisa pequena na Amazônia é o homem”.
Em 1866 o Major Warren Lansford Hastings conseguiu celebrar
com o presidente da Província do Pará um contrato para a instalação de uma
colônia, na qual se comprometia a trazer entre 300 e 400 colonos com grande
conhecimento na atividade agrícola e na agroindústria. O governo provincial se
comprometeu em pagar as passagens, manter os colonizadores por seis meses e
conceder, por venda, sessenta léguas quadradas de
terras devolutas ao sul da cidade de Santarém e que aqui ficariam aos cuidados
do então Coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, Vice-presidente da Província,
e pessoa de muita influência na cidade.
Santarém recebe os ex-confederados
No dia 17 de setembro de 1867, ancorou no azul-esverdeado
rio Tapajós o navio Inca, de roda na popa, transportando um grupo de
passageiros bastante diferente. O mais distraído dos catraieiros poderia
perceber nos semblantes rosados que emolduravam os olhos azuis e verdes dos
recém-chegados, o espanto e a admiração pela beleza ímpar do encontro das águas
e pela a brancura da areia que ornava a cidade que os recebia como novo lar.
Os viajantes, apoiando-se no pára-peito do pequeno navio,
aguardavam o desembarque enquanto as crianças corriam no convés, misturando-se
aos catraieiros que, apressadamente, procuravam os passageiros para
transportá-los até a praia e por não entenderem seu idioma faziam mímica para
se comunicar. As senhoras elegantemente vestidas, trajavam indumentárias
incompatível com o calor arrefecido pela constante brisa matinal que soprava
generosamente. Ali estavam famílias distintas, como os Vaughan, os Pitts, os
Jennings, os Emmett, os Steele e outras de agricultores oriundos do Tenesse,
Alabama e Mississipi, além de forasteiros e aventureiros embarcados no porto de
Móbile. Todos foram recepcionados cordialmente pelo Coronel Miguel Antônio
Pinto Guimarães, o qual tinha a responsabilidade de recebê-los, hospedá-los e
assisti-los por um período de seis meses. O Major Hastings mantinha a promessa
da chegada de outro navio com mais ex-confederados, pois seu plano era trazer
quatrocentas pessoas para a Amazônia. Os Renington, os Riker, os Wallace, os
Rhome, chegaram depois. Para alguns seria um lugar passageiro, para
outros, um lar permanente onde a nova pátria cederia um pedaço de solo para a
morada eterna e suas ações e familiares os perpetuariam na
história.
Para abrigá-los tinham sido construídos barracões cobertos
de palha e chão batido até que as casas assoalhadas fossem concluídas e entregues
aos seus donos. As famílias abriram as estradas Urumari-Mararu, terminando no
Diamantino, alcançando o platô, ao sul da cidade de Santarém. Ali se
localizavam as novas propriedades, destacando-se a fazenda Diamantina - de
propriedade dos Riker, responsáveis pelo primeiro plantio racional de
seringueiras na Amazônia. A estrada do Bom Gosto terminava na propriedade
Piquiatuba - de propriedade dos Vaughan e dos Jennings, os quais se destacaram
não só pela agricultura como também pela fabricação de pólvora, prego e leite
condensado.
A contribuição no desenvolvimento
agrícola da região.
Os ex-confederados foram os primeiros a cultivar as férteis
terras pretas localizadas no platô. O extrativismo, modelo econômico praticado
na região, não os agradou, e preferiram algo mais consistente, como a
agricultura mecanizada, com técnicas que assegurassem superávitfinanceiro,
com venda do excedente. Assim partiram para o cultivo do milho, do arroz, da
banana, da mandioca, da melancia e do feijão manteiguinha, cujas sementes
trouxeram em suas bagagens. Acreditavam, também, na cultura permanente e por isso
iniciaram a plantação de abacate, cacau, seringueira e cupuaçu. A grande
procura e o alto valor comercial do açúcar mascavo e da aguardente os levaram
ao plantio de cana-de-açúcar e ao aprimoramento de sua industrialização, com
moendas movidas à força hídrica ou à caldeira, as quais eram aquecidas com
lenha e evaporadores de grande proporção, que propiciava um maior aumento na
produção.
Os métodos modernos e progressistas empregados na
agricultura, como o arado e o carroção motorizado, trouxeram grande progresso à
região. O carroção motorizado, construído em Santarém nos anos setenta de
século XIX, pelo Reverendo Richard Tomas Henington, ministro da Igreja
Episcopal Metodista, é considerado o primeiro carro motorizado fabricado no
Brasil, embora sua máquina fosse movida a vapor. As atividades agrícolas, na
sua maioria, usavam o arado de tração animal, oferecendo maior conforto e
produtividade aos agricultores.
A fazenda Taperinha
Localizada a leste de Santarém, a fazenda Taperinha, de
propriedade do Barão de Santarém, abrigou a empresa agrícola Pinto & Rhome
LTDA, em sociedade com a família Rhome, criada com objetivo de desenvolver uma
agroindústria, com a fabricação de açúcar mascavo e aguardente, e com cultivo
da cana-de-açúcar e o plantio de cacau, abacate, laranja, abiu e ata (pinha). A
cana-de-açúcar plantada no platô deslizava através de uma calha de madeira em
forma de meia ferradura, com 400
pés de comprimento, e caía junto à moenda. Com as
frutas faziam-se diversas espécies de vinho e a plantação de tabaco
transformava-se em cigarros conhecidos por uma fragrância denominada TAPERINHA.
Nas férteis terras pretas do platô também foram plantadas uma grande quantidade
de cacaueiros e abacateiros que até a pouco tempo ainda eram encontrados em
plena produção.
A casa era coberta de telhas de barro, com requintado
conforto para a época e havia inclusive uma senzala para abrigar os inúmeros
escravos. O espírito empreendedor e o bom gosto da família Rhome fizeram
daquele isolado lugarejo um local de referência para a agricultura, para a
agroindústria e para a ciência. As cerâmicas indígenas descobertas e
colecionadas pelo Sr. Rhome foram levadas para o Museu Nacional, no Rio de
Janeiro, onde permanecem até hoje com o nome Coleção Taperinha. Em 1872, o cientista
americano Carles Frederic Hartt descobriu, demarcou e registrou o famoso
sambaqui de água doce, hoje comprovado ter mais de oito mil anos.
A fazenda Taperinha, no século XIX, tinha um desenvolvimento
hoje chamado sustentável: tudo o que consumia era produzido no local. Os arados
eram fabricados na própria fazenda e lá, também, foi construído o primeiro
navio na Amazônia, inclusive a máquina. O navio recebeu o nome de TAPERINHA e,
para maior conforto dos passageiros, uma piscina de fundo cimentado foi
construída onde se podia nadar ou tomar banho de chuveiro, com uma descarga de
cem galões por
minuto. Taperinha
conserva a casa rural mais antiga da Amazônia.
Breves considerações
Não se pode deixar de mencionar o Sr. Clarence Riker,
descendente dos ex- confederados, que após regressar aos Estados Unidos fundou
uma indústria farmacêutica, da qual foi seu diretor-presidente por muito tempo.
Hoje aquele empreendimento transformou-se na multinacional SIDNEY ROSS &
CIA.
O Reverendo Richard Henington teve uma atuação marcante
junto à comunidade dos ex-confederados: tinha a função de tratar dos dentes dos
imigrantes, celebrar batizados e casamentos, bem como pregar o evangelho. Por
ser evangélico, era também chamado de “padre americano”. A ele são devidas
preciosas informações sobre o cotidiano da época e a realização de importantes
obras de engenharia, como a construção do primeiro trapiche de Santarém, local
onde hoje localiza-se o Terminal Fluvial Turístico, a construção do “carroção
motorizado”, a montagem de uma serraria a vapor, de uma carpintaria mecanizada
e de uma loja para ferreiro, e a fabricação de embarcações de madeira. Estas
obras o destacaram na história de Santarém.
Josiah H. Pitts, conhecido como Dr. Pitts, serviu o exército
confederado como oficial médico durante a Guerra da Secessão. Aqui se dedicou à
atividade agrícola sem, contudo, deixar de exercer sua profissão, dedicando-se
posteriormente à fabricação de barco de madeira como única atividade. Transferiu-se,
mais tarde, para a então pequena cidade de Oriximiná onde faleceu. Seu
corpo repousa às margens do igarapé Iripixi, naquela cidade, onde hoje funciona
a olaria Iripixi.
A família Jennings pouco participou das atividades
agrícolas. Entretanto, preferiu mudar-se para a cidade e instalar, onde hoje se
encontra o Mercado Municipal de Santarém, uma serraria movida à caldeira e um
estaleiro para construção de barcos. Desse modo, conseguiram recurso financeiro
suficiente para fazer várias viagens aos Estados Unidos em busca de novos
negócios. Guilherme Jennings encerrou suas atividades em Santarém no final do
século XIX e mudou-se definitivamente para os Estados Unidos. Naquele país
montou uma fábrica de lâminas de barbear que se tornaram mundialmente conhecidas
como Lâminas
“WILLIAMS”.
Os ex-confederados procuraram se estruturar cultural e
espiritualmente criando escolas e igrejas evangélicas, instituições
imprescindíveis às suas vidas. Foram eles que trouxeram as primeiras igrejas
evangélicas para o Brasil, facilitando a vinda e a permanência de inúmeros
pastores protestantes. Contribuíram com o desenvolvimento econômico da região e
influenciaram a religião e a cultural local. Algumas famílias retornaram aos
Estados Unidos, outras se mudaram para São Paulo, mas as que permaneceram aqui
ajudaram a fazer a história de Santarém e do baixo Amazonas nesses 140 anos de
imigração norte americana.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GUILHON, Norma
Azevedo. Confederados em Santarém. Coleção: “História do
Pará”. Série “Arthur Vianna”. Belém, 1979.
Um comentário:
ótimo texto, riquíssimo em detalhes, gostaria até do exemplar da fonte ou pesquisar mais sobre o assunto.
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